Por Thatyana Ferreira

Dia Mundial da Água Sem água não tem vida

Entenda como a falta de cuidado com esse líquido vital pode impactar na sociedade.

Você sabe o que a banana, o ser humano e o planeta Terra têm em comum? Ambos possuem mais de 70% de água na sua composição. Em comparação com os outros 30% restantes parece muito e quando se tem algo em abundância, a tendência do ser humano é descuidar. Até que o recurso que parecia inesgotável, começa a apresentar sinais de escassez e debilidade. 

Arte: Thatyana Ferreira

No dia 3 de fevereiro de 2024, Maceió bateu 35,6° C e foi classificada pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) como a segunda capital mais quente do Brasil. Nesse cenário de calor extremo, imagine buscar por água e não encontrar em casa, nos mercados e muito menos nas torneiras. 

Em tese, o ser humano consegue sobreviver entre 2 a 4 dias sem água. Mas por não existir nenhum processo interno capaz de compensar a falta de hidratação, após poucas horas sem ingestão do líquido, o corpo pode começar a dar sinais de alerta.

Infográfico: Thatyana Ferreira

Para quem tem acesso a água potável, isso é uma questão simples de se resolver. Mas para quem sofre com a escassez deste recurso, a desidratação é só uma gota no mar de problemas a serem enfrentados.  

Dar de beber a quem tem sede

Era por volta de 12h e após uma longa viagem a pé, um missionário encontrou um poço. Sentou-se à beira dele pois não tinha como retirar a água e poucos minutos depois uma mulher se aproximou com a mesma intenção, mas levava baldes consigo.

“Dá-me de beber”, pediu o missionário. A mulher estranhou o pedido, pois por vir de um lugar marginalizado, estava acostumada a sofrer com descriminação e ser invisibilizada pela sociedade. Ela não tinha acesso ao mínimo e não era vista.

Este encontro é narrado no capítulo 4 do Evangelho de João. Nele, a Samaritana encontra com Jesus e recebe a garantia de que quem conhecer o Evangelho nunca mais terá sede. Mas não era das questões fisiológicas a que ele se referia. Tanto que no mesmo capítulo ele afirma que “todo aquele que beber des­ta água - do poço - tornará a ter sede”.

Ou seja, é um ciclo sem fim. Ciclo esse que precisa de manutenção diária. Sem água corre o risco do corpo parar de exercer suas funções. É um bem indispensável, mas no entanto, cerca de 30 milhões de brasileiros - como indica uma pesquisa da Organização das Nações Unidas - continuam sem acesso e precisam fazer como fez a samaritana, buscar maneiras (e poços) em busca deste recurso vital.

Ela era uma mulher invisível perante aos olhos dos outros. Assim como 17% da população do país que sofre com a desigualdade e acaba correndo riscos ao perfurar poços em busca de água. Técnica que, se não for feita com os devidos cuidados, não garante a qualidade e pode trazer prejuízos à saúde em razão de uma possível contaminação. 

Uma das doenças mais comuns, que pode ser causada após o contato com água imprópria para consumo, é a diarréia. Parece algo simples de tratar, mas de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) é uma das principais causas de morte de crianças abaixo de cinco anos. 

ODS 6 (Foto: Reprodução/ Internet)

Ainda há muita gente pedindo ‘dá-me de beber’ e em busca de condições mínimas de subsistência. Com a visão de mudar esse cenário, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6 (ODS 6) da Organização das Nações Unidas (ONU) tem a intenção de garantir, até 2030, “o acesso universal e equitativo à água para consumo humano, segura e acessível para todos”. 

A meta 6.6 tem o intuito de proteger e restaurar ecossistemas relacionados com a água. Dentre eles os lagos, lagoas e lagunas. Por definição, a palavra preservação se refere a uma série de ações cujo objetivo é garantir a integridade e a perenidade de algo; defesa, salvaguarda, conservação.

Conservar e tratar o que já temos seria uma maneira de garantir que pessoas marginalizadas como a samaritana tivessem acesso à água de qualidade?

“Ela é uma mãe para todos nós”

“A lagoa ‘batia‘ nas portas das casas”, relembra saudosa Edileuza da Silva. Ela é uma dona de casa que já foi marisqueira e mudou-se para perto da laguna Mundaú com a sua família há mais de 40 anos. 

Lagoa Mundaú na década de 1950. Foto Stuckert. (Foto Stuckert)

Ela encontrou na ‘lagoa’ uma maneira de sobreviver, principalmente a partir do sururu. Já que muitas vezes seu marido pescava e ela fazia todo o processo de limpeza para que o marisco pudesse ser comercializado. 

“A ‘lagoa’ é uma mãe para todos nós que vivemos aqui. Muita gente vive da ‘lagoa’, é de lá que vem o peixe, o camarão, o siri…Vem tudo da ‘lagoa’.”, afirma Edileuza.

A água da laguna não é necessariamente de beber, mas é de viver. Pois é de lá que centenas de moradores do entorno tiram o sustento e conseguem “dar de beber” aos seus. Preservando isso, possibilita que várias vidas também sejam preservadas em consequência.  

Como narrado por Edileuza, antes não existiam duas vias. Era somente água onde atualmente é a Avenida Senador Rui Palmeira. Para molhar os pés às vezes só era necessário abrir a porta e dar alguns passos. Agora é preciso atravessar as duas faixas e um canteiro.

A população cresceu e com isso a necessidade de moradias. Quando as cidades avançam sem que sejam consideradas “a legislação e os pilares da preservação e conservação do meio ambiente”, o ecossistema da região pode ser prejudicado. Como explica Ana Karine Pimentel, que é gerente do laboratório do Instituto do Meio Ambiente (IMA) do estado de Alagoas. Apesar disso, se tratando da ‘lagoa’ Mundaú, ela não vê a população como culpada. 

“A população se instalou às margens da laguna como forma de sobrevivência. Para garantir o sustento vindo dela, por exemplo. Contudo, a falta de políticas públicas socioambientais, a falta de esgotamento sanitário e de outros investimentos para frear a degradação do meio natural é que são os principais problemas da região”, explica Ana Karine.

Ana Karine Pimentel (Foto: Arquivo Pessoal)

Um relatório de balneabilidade do IMA divulgado no dia 11 de março deste ano, destacou dois trechos da laguna como impróprios para banho e atividades recreativas. Esse estudo é divulgado semanalmente e é feito com base no nível de coliformes termotolerantes. 

O aumento pode ser provocado pelo lançamento de esgoto doméstico de maneira irregular e não tratado nas lagunas. E pode ser modificado pela ausência ou presença de chuva e a interrupção ou surgimento de lançamentos de esgoto no local. Conforme explicado pela gerente do laboratório, em caso de contato direto com as áreas consideradas impróprias a pessoa pode ter coceiras, diarréias, enjoos e náuseas.

Os pescadores podem sofrer contaminação por estarem em contato direto com a água, mas o risco não é tão alto porque geralmente a pesca é realizada em áreas mais distantes dos lançamentos de resíduos. Outro fator que pode comprometer a qualidade da água é o descarte irregular de lixo. 

“Os resíduos sólidos e líquidos causam impactos consideráveis nos ambientes lagunares.

E contribuem significativamente para o comprometimento da qualidade da água das lagunas”, afirma Ana Karine.

Pensando em mudar esse cenário, a gerência de educação ambiental do IMA realiza ações permanentes de conscientização e educação ambiental. Assim como também a gerência de unidades de conservação desenvolve monitoramento e fiscalização no Complexo Estuarino Lagunar Mundaú-Manguaba (CELMM).

A laguna Mundaú ainda é só uma gota, em comparação com aqueles 70% de água que ocupam o planeta. Mas ainda assim faz parte da parcela que a Organização das Nações Unidas (ONU) pretende zelar. 

Dia Mundial da Água!?

Pode parecer só uma data a ser comemorada nas escolas, em que as crianças pintam cartazes em forma de gota e conversam com as professoras sobre a importância de cuidar desse bem vital para a sobrevivência. 

Mas é pensando em garantir a conservação, a nível global, que o dia 22 de março é voltado para conscientizar as pessoas em relação a esse recurso tão importante. O Dia Mundial da Água foi criado no dia 21 de fevereiro de 1993 pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas. No dia que a data foi instituída, através da resolução A/RES/47/193, também foi divulgada a Declaração Universal dos Direitos da Água. O documento contém dez artigos com sugestões visando despertar a consciência ecológica da sociedade.

Todo ano um tema é escolhido, debatido e usado como base para a campanha. O tema de 2024 é “Água para a paz” e traz luz para os conflitos mundiais sobre recursos hídricos. A falta de água é uma das situações capazes de gerar confrontos 

Uma situação antiga, mas ainda latente, é o conflito na Faixa de Gaza. A disputa acaba impactando na distribuição de recursos básicos à subsistência. Em 2014, 300.000 pessoas ficaram sem água em 10 dias de bombardeios israelenses. Já em outubro de 2023, nove anos depois, a ONU alertou novamente para a falta de água na região.

             Palestinos fazendo fila para se abastecer de água no campo de refugiados de Rafah (Foto: MOHAMMED ABED /AFP)

“Tornou-se uma questão de vida ou morte”, afirmou Phillippe Lazzarini que é o comissário-geral da Agência de Assistência e Obras da ONU para os Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA, sigla em inglês).

Ele também destacou que com a água potável acabando, as pessoas foram forçadas a utilizar águas sujas de poços. Situação que, como já foi citada acima, aumenta o risco de doenças por meio do contato com águas contaminadas. Não é somente sobre contextos de guerra que o tema deste ano do Dia Mundial da Água quer alertar. A falta desse líquido tão importante também pode levar pessoas a não enxergar mais saídas viáveis. 

Um reflexo disso foi divulgado através de uma pesquisa do instituto água sustentável. O levantamento feito em 2021 constatou que em vinte anos cerca de 2.035 agricultores pararam de cultivar todos os dias na Índia e, em média, 46 deles cometem suicídio todos os dias. 

O que significa que a cada meia hora um agricultor indiano atenta contra a própria vida por não conseguirem trabalhar devido à escassez de água. Sem água, não tem como plantar, sem plantar não como colher e sem colheita não tem como gerar renda. Em suma, sem água não tem vida.