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É PJ com rotina de CLT? Saiba quando pedir vínculo de trabalho na Justiça e garantir 13º, férias e FGTS

Entenda quando a contratação como pessoa jurídica pode ser considerada fraude trabalhista

Por Agência O Globo - 20/07/2025
É PJ com rotina de CLT? Saiba quando pedir vínculo de trabalho na Justiça e garantir 13º, férias e FGTS
CLT (Foto: Internet/reprodução)

Cumprir horários fixos, usar uniforme e obedecer chefe. Durante sete anos, a rotina de trabalho da coordenadora de suprimentos Danielle Andrade parecia a de qualquer funcionária formal, mas sua relação com a empresa tinha um detalhe que não aparecia no crachá, mas pesava no bolso: a falta de registro na carteira de trabalho.

Última horas:

Menos tributos:

Contratada como pessoa jurídica (PJ), ela emitia notas fiscais mensalmente, sem contrato assinado e sem direito a férias, 13º salário, recolhimento de FGTS ou seguro-desemprego. Trabalhava até dez horas por dia e respondia diretamente ao diretor da empresa.

— Perdi todos os benefícios que tem um trabalhador CLT. Isso tem um impacto financeiro muito grande — lamenta Danielle, que ao deixar o cargo, sem aviso prévio ou indenização, teve que recorrer às próprias economias para sobreviver durante os oito meses em que ficou desempregada.

Muitos advogados apontam esse tipo de caso como um exemplo de pejotização, ou seja, quando empresas contratam como PJ para disfarçar uma relação de trabalho com todas as características de vínculo empregatício.

— O que se tenta com a pejotização é retirar os direitos trabalhistas do empregado por meio da criação de um prestador de serviço apenas no papel, tratando esse trabalhador como se fosse uma empresa para evitar o reconhecimento do vínculo de emprego — explica o advogado Marcel Zangiácomo.

Foi só após receber uma orientação jurídica que Danielle percebeu estar diante de uma situação de pejotização.

A advogada Vanessa Miranda ingressou com uma ação na Justiça do Trabalho pedindo o reconhecimento do vínculo empregatício de Danielle. O processo, porém, foi suspenso por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que congelou temporariamente casos semelhantes em todo o país até o julgamento definitivo.

Novidade atende determinação da Anatel:

— O juiz entendeu que o caso deveria ser julgado pela Justiça comum. No entanto, o processo enfrentou dificuldades, já que o novo juiz limitou a análise à existência de contrato, sem considerar as verbas trabalhistas. Agora, aguardamos uma definição do STF — explica a advogada.

Danielle hoje trabalha com carteira assinada, mas diz que aceitaria voltar a atuar como PJ, desde que houvesse autonomia real:

— Até voltaria, caso cumprissem as regras, não exigissem carga horária e nem uniforme, e eu tivesse liberdade para fazer meu trabalho.

Ações de pejotização suspensas pelo STF

Segundo o Tribunal Superior do Trabalho (TST), cerca de 1,3 milhão de processos de reconhecimento foram ajuizados de 2020 a junho de 2025 — confira a evolução do número de ações a cada ano no gráfico abaixo. Nesse grupo, estão incluídos casos de pejotização, que ganhou força nos últimos anos, impulsionada pela reforma trabalhista, sancionada pelo ex-presidente Michel Temer em 2017. Embora o modelo de trabalho como PJ não seja ilegal, ele passa a ser considerado fraude quando desrespeita critérios que caracterizam um vínculo CLT.

— Os fundamentos dos vínculos CLT são pessoalidade, onerosidade, subordinação e habitualidade — explica o advogado Marcel. Veja o significado de cada um desses pontos no final dessa reportagem.

O tema será debatido no STF em audiência pública marcada para 10 de setembro

Outro ponto em debate é sobre quem deve julgar esses casos: a Justiça do Trabalho ou a Justiça comum. Desde abril, todas as ações do tipo estão suspensas. No TST, a medida gerou críticas e é vista como uma ameaça aos direitos trabalhistas.

Mesmo com suspensão, ainda é possível recorrer à Justiça

Mesmo com os processos sobre pejotização suspensos pelo STF, o prazo para buscar os direitos na Justiça continua correndo.

Superaram o teto do benefício:

— Os processos estão suspensos, mas não o tempo de prescrição. O cidadão tem até dois anos após a rescisão para entrar com ação e pode cobrar os valores dos últimos cinco trabalhados — explica o advogado Marcel Zangiácomo.

Segundo o TST, a suspensão não impede o ajuizamento de novas ações, que ainda podem ser julgadas em primeira instância. O impedimento, nesse caso, é dos tribunais julgarem recursos.

A jornalista Maria Eduarda Eurich, de 24 anos, se prepara para entrar com ação após trabalhar como PJ em uma agência de comunicação em Curitiba, no Paraná. Ela trocou um emprego com carteira assinada por uma vaga, que prometia flexibilidade, mas virou rotina de 9h às 17h, com metas, controle e ameaças de demissão.

— Fazia atendimento para seis clientes ao mesmo tempo — conta a jornalista.

Crescimento da PJ gera perdas bilionárias

O avanço da pejotização já provoca perdas bilionárias para os cofres públicos. Um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), encomendado pela OAB de São Paulo, estima que, entre 2018 e 2023, o governo deixou de arrecadar entre R$ 89 bilhões e R$ 144 bilhões em tributos, além de mais de R$ 15 bilhões em contribuições ao FGTS. O levantamento, feito com base na Pnad Contínua do IBGE, analisou o crescimento do grupo de trabalhadores por conta própria com CNPJ — considerados os principais afetados pela pejotização. Esse grupo cresceu 45% em seis anos.

Vale para pagamentos feitos em até seis vezes:

A diferença entre os dois valores (R$ 89 bi e R$ 144 bi) considera cenários distintos de regime tributário. O valor mais baixo leva em conta empresas optantes pelo Simples Nacional, que recolhem menos impostos. Já o número mais alto simula a contratação por empresas do lucro presumido, que pagam mais tributos sobre a folha de pagamento.

Segundo Nelson Marconi, coordenador do curso de Administração Pública da FGV e um dos autores do estudo, essa alta se deve a três fatores: o desemprego na pandemia, o custo mais baixo de encargos na PJ e o uso desse modelo de trabalho por profissionais que não eram o foco original da política.

— O microempreendedor individual (MEI) foi criado para apoiar os mais pobres, mas hoje é usado por profissionais qualificados, em setores com salários elevados, como saúde, educação e comunicação — explica Nelson.

O especialista alerta para um efeito a longo prazo nas aposentadorias de quem presta serviço como pessoa jurídica. Um trabalhador contratado como PJ contribui com valores significativamente menores. Se for microempreendedor individual (MEI), por exemplo, paga apenas 5% do salário mínimo por mês — o equivalente a R$ 75,90 em 2025. Já um trabalhador com carteira assinada é descontado diretamente do salário bruto do trabalhador todos os meses, com alíquotas que variam de 7,5% a 14%, dependendo da faixa salarial.

— Essas pessoas terão aposentadorias menores, o que pode levá-las a continuar trabalhando por mais tempo ou a depender de direitos sociais — observa.

Quatro sinais de vínculo empregatício

Subordinação

Significa que o trabalhador está submetido a ordens, metas, controle de horários, avaliações de desempenho e hierarquia. Segundo a advogada Vanessa Miranda, essa condição pode ser comprovada por mensagens trocadas por WhatsApp, e-mail ou plataformas internas. “Se houver mensagens tratando de avaliação de desempenho, acesso a sistemas da empresa, cobrança por atividade diária ou exigência de uniforme, isso reforça a existência de subordinação”, explica.

Pessoalidade

Ocorre quando a empresa contrata uma pessoa específica e exige que só ela preste o serviço — sem possibilidade de substituição. “Na PJ, quem é contratado é o CNPJ. Já na relação de emprego, é a pessoa física que precisa estar presente. Se não pode ser substituído, é sinal de pessoalidade”, orienta o advogado Marcel.

Habitualidade

Acontece quando o serviço é prestado de forma regular, não por projeto ou tarefa. “Ponto eletrônico, reuniões frequentes e provas de rotina na empresa são indícios fortes”, exemplifica Vanessa.

Onerosidade

O que caracteriza a onerosidade é o pagamento contínuo pelo serviço prestado. Diferente do que ocorre com PJ, que é remunerada por projeto ou tarefa. “Se há uma remuneração fixa, mensal, isso aponta para vínculo de emprego”, destaca Marcel.

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