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O futuro das favelas: especialistas apostam em 'qualificação urbana', moradias dignas e áreas arborizadas
Arquitetos e urbanistas revelam como pensam que devem ser as favelas do Rio daqui a cem anos, em 2125

O desafio de requaificar as favelas surgiu em boa parte das reflexões de arquitetos e urbanistas ouvidos pelo GLOBO com o desafio de projetar a cidade tal qual ela será daqui a cem anos. Em boa parte dos relatos, a necessidade de melhorar as condições de moradia e reduzir as desigualdades sociais aparece como uma chave para a construção de um fututo melhor. Os especialistas foram ouvidos no contexto das comemorações pelo centenário do jornal, comemorado nesta terça-feira, dia 29 de julho, data na qual, em 1925, circulou a sua primeira edição.
Em artigo no qual apresenta as transformações no Rio no contexto de mudanças em todo o mundo, o arquiteto e urbanista Washington Fajardo prevê que, em 2125, “as favelas não desapareceram, mas melhoraram muito” e “a Rocinha passou por um processo de qualificação urbana que manteve sua identidade e densidade, incorporando edifícios ecológicos de médio porte, todos de madeira, praças públicas elevadas, arborização intensa e sistemas sustentáveis”.
O texto de Fajardo, que secretário de Planejamento Urbano do Rio (2021-22), prevê ainda que a solução aparesentada "permitiu desadensar becos, vielas e abrir espaços públicos mais amplos, permitindo instalação de infraestrutura resultando em muita interação social e lugares de convivências". A favela, então, vira "um epicentro de cultura e criatividade". A projeção aponta ainda que "todos os projetos urbanísticos e arquitetônicos são feitos por sistemas gêmeos digitais com uso de Empatia Artificial, em conjunto com urbanistas e engenheiros e com a participação direta da comunidade". Na conclusão, uma esperança e um desejo para daqui a 100 anos quando "a Rocinha é uma força da democracia representativa digital".
Morador do Morro da Providência e criador do Instituto Arquitetos de Favela, Fernando Pereira, de 30 anos, foca a sua reflexão sobre o futuro do Rio justamente na necessidade de requalificação dos territórios.
— O desafio é incluir a favela. O fato é que o Rio é uma grande favela com alguns pontos urbanizados. Para onde você olhar, tem favela. Então, é ela que tem de ser a prioridade no presente e no futuro. É o principal eixo para pensar o Rio daqui a 100 anos — opina o jovem arquiteto. — E, nesse contexto, acesso à moradia é fundamental. Ela é o primeiro passo para a dignidade.
O arquiteto Diébédo Francis Kéré, reconhecido por seu estilo pioneiro e único, com foco nos modos sustentáveis de construção — e vencedor do prêmio Pritzker (2022), a maior honraria da arquitetura mundial — falou, entrevista concedida ao GLOBO por e-mail, sobre a necessidade de um olhar social para a construção de um Rio melhor no futuro.
— Os assentamentos informais precisam respirar. O planejamento urbano deve trazer frescor, segurança e identidade. Dar às pessoas orgulho do lugar onde vivem. Não são necessárias intervenções massivas, mas ações pequenas e precisas, como uma acupuntura urbana. Devemos encontrar uma maneira de desenvolver um sistema habitacional modular, simples e sustentável, que se encaixe na realidade dos assentamentos informais. Ao longo do próximo século, as pessoas devem ter a chance de criar seus filhos sem medo, garantir seu sustento, celebrar quem são. Quando as comunidades prosperam, o Rio todo se fortalece — disse Francis Keré.
Em artigo escrito a pedido do GLOBO, a presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil no Rio (IAB-RJ), Marcela Abla, analisa primeiro os últimos 100 anos em que a cidade, reconhecida como “maravilhosa” por sua paisagem, passou a conviver "com um território profundamente marcado por desigualdades sociais, com uma estrutura urbana excludente, que se expressa, sobretudo, na persistente crise habitacional.”
O arquiteto e urbanista Luiz Carlos Toledo aponta a mesma preocupação em seu texto no qual afirma ser necessário que o Rio do futuro "não se conforme com a desigualdade e a combata intensamente, garantindo o direito à cidade para todos os seus habitantes, integrando à estrutura urbana as favelas e periferias, transformadas em bairros populares".
O desafio de pensar o futuro é encarado com equilíbrio pelo coordenador do Observatório das Metrópoles, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro:
— Devemos pensar o futuro que desejamos ou o futuro que parece escrito nas tendências do presente? O ideal é sair dessa dicotomia, prestando atenção nas questões que precisam ser resolvidas para termos um futuro diferente do que estamos vendo hoje. Primeiro, precisamos restaurar a capacidade institucional para pensar o futuro, sair da administração por projetos emergenciais.