Notícias
Do Vem Pra Rua à aliança com Bolsonaro: a trajetória de Carla Zambelli até ser presa na Itália
Deputada foi detida em Roma, e governo brasileiro apresentou pedido de extradição

Presa nesta terça-feira em um apartamento onde se escondia em Roma, a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) tem uma trajetória marcada por reviravoltas — da militância de rua iniciada em 2011 ao isolamento dentro do próprio bolsonarismo.
Nascida em Ribeirão Preto (SP), Zambelli está em seu segundo mandato na Câmara dos Deputados e foi a terceira parlamentar mais votada do país em 2022, com 946 mil votos. Sua entrada na política ocorreu durante as manifestações ligadas ao movimento Vem Pra Rua. Ela fundou o grupo Nas Ruas em 2011 e participou de protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff, ganhando projeção ao se alinhar a Jair Bolsonaro.
Nos primeiros anos do governo, integrou a chamada “tropa de choque” bolsonarista no Congresso. A ascensão, porém, deu lugar a uma sucessão de crises. Às vésperas do segundo turno das eleições de 2022, Zambelli sacou uma arma e perseguiu um homem no bairro dos Jardins, em São Paulo — episódio que gerou repercussão negativa e rachaduras internas no bolsonarismo. Aliados de Bolsonaro atribuem àquela cena parte da queda de desempenho do ex-presidente em São Paulo.
Desde então, Zambelli passou a ser alvo recorrente de críticas e perdeu espaço até mesmo dentro do PL. Em agosto de 2023, foi alvo de busca e apreensão na operação 3FA, deflagrada pela Polícia Federal para apurar a inserção de documentos falsos no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP). Na ocasião, o hacker Walter Delgatti Netto — também investigado — foi preso.
Delgatti declarou, em depoimento, que Zambelli o contratou para invadir o e-mail e o celular do ministro Alexandre de Moraes (STF), com quem a deputada mantém embates públicos.
A parlamentar também acumula processos na Justiça por disseminação de notícias falsas. Foi multada pelo TSE em R$ 30 mil por divulgar conteúdos inverídicos contra o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Em outro caso, foi condenada a indenizar Manuela D’Ávila após associá-la à “esquerda genocida”.
Quem é Carla Zambelli?
Natural de Ribeirão Preto, Zambelli é gerente de projetos e trabalhava em uma consultoria em São Paulo. Zambelli ganhou notoriedade em 2013, em meio aos protestos que tomaram as ruas do país. Nos anos seguintes, entrou de cabeça nas manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff e aproximou-se de Jair Bolsonaro, liderando a tropa de choque no governo do ex-presidente.
A deputada integrou um grupo de oito pessoas que se acorrentaram a uma pilastra na Câmara dos Deputados, em outubro de 2015. Os manifestantes se prenderam ao redor de uma coluna no Salão Verde para pressionar o então presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a dar início à tramitação do processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff.
— Aqueles episódios foram o despertar. Tínhamos feito manifestações no 7 de Setembro de 2011 e 2012, mas em 2013 foi diferente — lembrou Zambelli, em entrevista ao GLOBO, dez anos após os atos.
Durante os protestos contra Dilma, aproximou-se de Joice Hasselmann, com quem rompeu após as eleições de 2018. A deputada também era próxima do ex-juiz da Lava-Jato Sérgio Moro, ministro da Justiça e Segurança Pública até abril de 2020. Na época, em meio à crise pela saída de Moro, Zambelli trocou mensagens com ele e sugeriu que teria vaga garantida no Supremo Tribunal Federal (STF) caso permanecesse no cargo.
Durante o primeiro mandato, a parlamentar do PL se casou com o coronel Aginaldo de Oliveira, tendo o ex-ministro da Justiça e, agora, senador Sergio Moro (União-PR) como padrinho de casamento. Em fevereiro de 2020, quando ocorreu o casamento religioso, o ex-ministro disse que aceitou o convite por "constrangimento" e afirmou que nunca teve um relacionamento pessoal com a deputada.
O rompimento entre Carla Zambelli e Sérgio Moro ocorreu menos de dois meses após a celebração, assim que Moro pediu demissão do ministério. A saída foi motivada pela decisão de Bolsonaro de trocar o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, indicado ao posto pelo próprio Moro.
O episódio que selou a ruptura foi a divulgação, feita por Moro, de conversas privadas entre ele e Zambelli.
Motivos da prisão
A parlamentar bolsonarista deixou o país em junho, dias após ter sido condenada pelo Supremo Tribunal Federal a 10 anos de prisão por ter orquestrado a invasão hacker ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A Primeira Turma do STF condenou Carla Zambelli à pena de 10 anos de prisão em regime fechado, além de multa de cerca de R$ 2 milhões por danos morais coletivos e perda do mandato. A acusação é que ela foi a mentora intelectual da invasão ao sistema do CNJ com o auxílio do hacker Walter Delgatti Neto.
O objetivo da invasão, realizada em janeiro de 2023, era inserir um mandado de prisão falso em nome do ministro Alexandre de Moraes e manipular os bancos de dados do Judiciário. Delgatti foi sentenciado a oito anos e três meses de prisão, também em regime fechado.
A deputada deixou o Brasil em 25 de maio, pela fronteira com a Argentina em Foz do Iguaçu (PR), após a condenação. De Buenos Aires, embarcou para os Estados Unidos, de onde anunciou a fuga no dia 3 de junho. Em solo americano, antecipou que viajaria para a Itália por possuir cidadania europeia.
Inicialmente, Zambelli alegou que foi à Europa para um tratamento de saúde. Posteriormente, em entrevista à CNN Brasil, afirmou que foi para a Itália por ter cidadania italiana e que lá seria “intocável”, pois Moraes não poderia extraditá-la. No dia seguinte, Moraes determinou sua prisão preventiva.
A ordem foi expedida em 4 de junho, sob o argumento de que a ré havia se evadido do distrito da culpa “com o objetivo de se furtar à aplicação da lei penal, em razão da proximidade do julgamento dos embargos de declaração (recursos)”. Dois dias depois, o plenário do STF rejeitou os recursos da deputada.
Na decisão, Moraes escreveu que houve uma "inequívoca" intenção "de se furtar à aplicação da lei penal". “No caso de Carla Zambelli Salgado de Oliveira, é inequívoca a natureza da alegada viagem à Europa, com o objetivo de se furtar à aplicação da lei penal, em razão da proximidade do julgamento dos embargos de declaração opostos contra o acórdão condenatório proferido nestes autos e a iminente decretação da perda do mandato parlamentar”, afirmou o ministro.