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Com alta em fontes intermitentes, como solar, hidrelétricas ajudam a evitar falta de oferta nos picos de consumo

Com mudanças climáticas, sistema elétrico demanda controle a partir do uso de fontes convencionais de geração

Por Agência O Globo - 31/07/2025
Com alta em fontes intermitentes, como solar, hidrelétricas ajudam a evitar falta de oferta nos picos de consumo
Hidrelétrica. (Foto: Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil.)

As mudanças climáticas impõem ao setor elétrico brasileiro a necessidade de acelerar o planejamento sustentável em meio ao crescimento do uso das fontes renováveis, consideradas intermitentes por dependerem da incidência do sol, dos ventos e do regime de chuvas, e para mitigar efeitos de eventos extremos.

Por isso, a palavra de ordem nas empresas e no governo é buscar mais integração do sistema com usinas hidrelétricas e térmicas, além do investimento em tecnologias para prevenir falta de oferta e interrupção de serviço.

Um dos alertas vem do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Para Marcio Rea, diretor-geral do órgão, com a forte entrada das fontes renováveis na matriz elétrica é necessária maior flexibilidade das fontes convencionais, principalmente das hidrelétricas, mais controláveis e que apresentam resposta rápida na entrega de em horários de pico de consumo.

— Com o crescimento das fontes intermitentes, novos desafios surgiram para a operação. Precisamos cada vez mais de flexibilidade no sistema, com fontes de energia controláveis, que nos atendam de forma rápida para termos o equilíbrio entre a oferta e a demanda de energia, especialmente nos horários em que temos as chamadas rampas de carga. Isso é fundamental para garantir a segurança e a estabilidade do sistema elétrico — argumenta Rea.

Diogo Scussel, vice-presidente de Operações Estratégicas da Statkraft Brasil, acrescenta a necessidade de reforçar a confiabilidade do sistema diante das mudanças climáticas.

— A presença expressiva de hidrelétricas continua sendo pilar fundamental, mas as mudanças no regime hidrológico, somadas à integração de fontes variáveis como solar e eólica, exigem gestão cada vez mais inteligente da geração e do consumo — frisa ele. — O equilíbrio da matriz dependerá de investimentos em infraestrutura de transmissão, tecnologias de armazenamento, digitalização e soluções híbridas que permitam operar o sistema com flexibilidade e segurança.

Horário de verão

Solar e eólica vêm ganhando espaço na matriz devido ao menor custo e à facilidade de implementação, conta Filipe Bonaldo, head A&M Infra no Brasil, mas o risco trazido pela intermitência na geração preocupa cada vez mais. Por isso, defende a importância das usinas hidrelétricas, das termelétricas e da energia nuclear.

— Para frente, o fato de não termos mais grandes hidrelétricas vai fazer com que a gente aumente as térmicas para compor com as eólicas e solares e reduzir a intermitência — conta ele. — Por isso, voltamos a falar do horário de verão, que é positivo para o nosso sistema elétrico. Ele reduz a pressão no sistema na hora de pico, que acontece entre 18h e 21h. Eu vejo com bons olhos a volta do horário de verão para ajudar o nosso sistema elétrico a ser ainda mais resiliente.

O cenário atual tem exigido transformação profunda no planejamento e na operação das redes de distribuição, diz Marcos Madureira, presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee):

— Esses movimentos descentralizam a geração de energia e mudam o fluxo tradicional do sistema, que passa a ser bidirecional. Isso exige redes mais inteligentes, capazes de absorver e equilibrar a energia gerada em diferentes pontos, horários variados e com características técnicas distintas. Para isso, as distribuidoras têm intensificado investimentos em automação, digitalização, sensores, equipamentos de proteção e medidores inteligentes, além da expansão da rede física.

Segundo ele, os incentivos do governo a fontes renováveis, com menor tributação e subsídios, têm produzido um excesso de geração em determinados momentos do dia, representando um desafio para o sistema elétrico quando o consumo à noite escala.

— Existe urgência na reconfiguração do planejamento do sistema elétrico de forma a incorporar as fontes renováveis. É preciso neutralizar os efeitos trazidos pelos incentivos a determinadas fontes, que têm distorcido o equilíbrio. Ao mesmo tempo, as distribuidoras têm direcionado investimentos a soluções que aumentem a resiliência das redes e a capacidade de resposta aos eventos climáticos — diz Madureira, citando visitas a Reino Unido, Japão e Texas (EUA) para pesquisar como distribuidoras locais atuam na recomposição de sistemas afetados por eventos climáticos severos.

A , que registrou interrupções de serviço após fortes chuvas em São Paulo e Rio nos últimos dois anos, planeja investir R$ 25,3 bilhões entre 2025 e 2027, sendo R$ 24 bilhões em distribuição nas duas áreas de concessão, além do Ceará, diz Antonio Scala, CEO da empresa:

— É aumento de 62% em relação ao plano de investimentos anterior. O maior desafio da distribuição para todas as distribuidoras é tornar a rede mais resiliente diante das novas necessidades impostas, por exemplo, pelas mudanças climáticas.

A Cemig pretende investir, até 2029, cerca de R$ 59 bilhões em Minas Gerais, dos quais R$ 36,9 bilhões em distribuição, com foco em tornar o serviço mais resiliente. A companhia terá, até 2026, um sistema para acompanhar em tempo real a rede de distribuição, devido ao avanço da geração solar.

Bruna Correia, sócia de Energia do BMA Advogados, também sublinha o desafio de garantir segurança diante de um sistema elétrico historicamente dependente de hidrelétricas, complementado por térmicas, e cada vez mais por fontes intermitentes. E alerta para efeito de térmicas:

— A variabilidade hidrológica, somada ao avanço de renováveis variáveis, demanda maior capacidade de resposta do sistema elétrico, com o acionamento de térmicas, que são mais caras e poluentes, o reforço na infraestrutura de transmissão, a expansão de soluções de armazenamento e o aprimoramento dos mecanismos de operação e planejamento energético.

Pressão sobre preços

Para ela, devido às condições climáticas, o controle operacional do sistema depende não apenas do uso das hidrelétricas, mas de outros recursos:

— São necessárias medidas como o uso de fontes firmes complementares, aprimoramento do despacho hídrico, com expansão da capacidade de transmissão entre regiões e investimentos em armazenamento de energia, como baterias e usinas reversíveis.

Robson Campos, vice-presidente de Engenharia de Expansão da Eletrobras, pontua que, embora as fontes renováveis sejam importantes, há a elevação de custos operacionais para manter a rede segura.

— Esse cenário pressiona os preços e exige que o setor valorize ainda mais o papel estratégico das hidrelétricas, que, com sua capacidade de armazenamento e flexibilidade, são essenciais para garantir estabilidade, segurança energética e modulação da geração ao longo do tempo.

Para Aurélio Amaral, diretor-executivo de Relações Externas e Comunicação da Eneva, as térmicas a gás natural assumem papel estratégico pela agilidade para operar nos momentos críticos.

— Essas usinas não competem com as renováveis, mas as complementam, garantindo segurança energética com uma das menores pegadas de carbono entre as fontes despacháveis.

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