Estudo revela que vacina de mRNA gera forte resposta imune contra HIV em 80% dos participantes
Resultados preliminares indicam que 80% dos participantes que receberam algum dos imunizantes contra o vírus causador da Aids produziram anticorpos

Duas vacinas candidatas que utilizam tecnologia de RNA mensageiro (RNAm) — a mesma empregada nos imunizantes contra Covid-19 desenvolvidos pela Pfizer-BioNTech e pela Moderna — foram capazes de provocar uma resposta imunológica potente contra o . Os dados sobre o potencial da foram relatados em dois estudos publicados na revista científica Science Translational Medicine, um feito em humanos e outro, em animais.
Cerca de 41 milhões de pessoas em todo o mundo vivem com HIV, destas 1 milhão estão no Brasil. Há décadas, cientistas do mundo inteiro tentam desenvolver uma vacina contra o vírus causador da Aids, sem sucesso.
Para desenvolver vacinas contra um vírus, os pesquisadores frequentemente estudam como o corpo elimina o patógeno de seu sistema. No entanto, o organismo raramente consegue eliminar completamente o HIV. Na maioria dos pacientes, o vírus apenas "se esconde". Além disso, ele sofre mutações rápidas, mudando constantemente de aparência. Como resultado, as vacinas candidatas contra esse vírus precisam passar por muitos testes por tentativa e erro e até hoje nenhuma foi bem-sucedida.
Por isso, o ideal é que as vacinas contra o HIV desencadeiem a produção de "anticorpos amplamente neutralizantes" — proteínas que têm como alvo partes relativamente imutáveis do vírus que parecem semelhantes em muitas cepas e podem bloquear infecções, oferecendo assim proteção abrangente.
Mas o desenvolvimento de novas tecnologias, como o RNAm, representa um nova esperança para cientistas, médicos e pacientes. Isso por que as vacinas de RNAm podem ser modificadas rapidamente e a baixo custo — em meses, não anos — o que permite que os pesquisadores testem diferentes estratégias. Esse tipo de abordagem funciona enviando instruções às células, na forma de RNAm, para produzir proteínas específicas, normalmente encontradas na superfície dos vírus. Isso induz uma resposta imunológica, que ajuda o corpo a reconhecer e eliminar o vírus, caso seja exposto ao patógeno real.
Na nova abordagem, os pesquisadores desenvolveram vacinas para transportar instruções para um complexo de proteínas encontrado na superfície do HIV. Chamado de "trímero do envelope", esse complexo permite que o vírus se agarre à superfície das células imunológicas humanas e as invada.
Uma vez injetadas no corpo, as vacinas estimulam as células a construir uma das duas versões do trímero do envelope: uma que sai da célula e flutua para longe, e outra que permanece ligada à superfície da célula. A versão de flutuação livre já foi alvo de estudos anteriores, mas até então não havia produzido anticorpos neutralizantes adequados.
Os pesquisadores do novo estudo acreditam que isso ocorre porque, na superfície de uma partícula real de HIV, a base do trímero está inserida no vírus e, portanto, oculta. Eles previram que a última versão do trímero — aquela que permanece presa à célula — desencadearia melhores respostas neutralizantes que visam outras partes do complexo, em vez da base.
O primeiro estudo testou algumas vacinas em coelhos e macacos, e os resultados promissores desse trabalho levaram ao desenvolvimento das vacinas e ao subsequente teste em humanos, que incluiu 108 adultos saudáveis com idades entre 18 e 55 anos, em dez centros de estudo diferentes nos Estados Unidos.
Nesse trabalho, foram testadas duas vacinas que codificavam diferentes versões ligadas da estrutura e uma que codificava um trímero de flutuação livre. Cada participante recebeu três doses da vacina designada: uma na consulta inicial, outra dois meses depois e uma dose final seis meses após a primeira. A vacina que receberam foi selecionada aleatoriamente.
Assim como nos testes em animais, os trímeros ligados apresentaram sinais de proteção mais fortes do que o trímero livre. As vacinas com trímeros ligados produziram anticorpos neutralizantes em 80% dos vacinados, enquanto a vacina com trímeros livres desencadeou a mesma resposta em apenas 4% dos vacinados.
As vacinas com trímeros ligados também "geraram fortes respostas de memória, o que significa que o corpo estaria mais bem preparado para combater o HIV mesmo muito tempo após a vacinação", de acordo com os pesquisadores. Isso se deve às células B de memória produtoras de anticorpos, que persistem por muito tempo para ajudar a desenvolver respostas imunológicas rápidas contra germes que encontraram no passado, seja por infecção ou vacinação.
"A diferença é bastante impressionante", afirma a médica infectologista Sharon Lewin, que dirige o Instituto Peter Doherty de Infecção e Imunidade em Melbourne, Austrália, à revista .
O estudo clínico em humanos foi projetado principalmente para avaliar a segurança das vacinas, e elas foram "bem toleradas no geral". Elas desencadearam principalmente efeitos colaterais leves e transitórios, como fadiga, dor, dor de cabeça, calafrios, náusea e dor no local da injeção.
No entanto, 6,5% dos participantes desenvolveram urticária crônica leve a moderada em todas as versões da vacina. A maioria dos sintomas foi resolvida ou melhorada com anti-histamínicos orais, embora dois participantes tenham apresentado sintomas persistentes por mais de 32 meses. Um evento adverso grave relacionado à urticária exigiu hospitalização de curto prazo.
"Se esses efeitos colaterais puderem ser reduzidos em versões de próxima geração e os resultados se confirmarem em estudos reais mais amplos na comunidade, as vacinas de RNAm poderão ser uma ferramenta transformadora na luta contra o HIV", disse Seth Cheetham, diretor do Centro Australiano de Vacinas de RNAm contra o Câncer e vice-diretor da unidade de fabricação de mRNA BASE na Universidade de Queensland, que não participou do estudo, ao Science Media Exchange.