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Juíza da infância defende votação de projeto sobre adultização: 'Não há o que se falar em censura'

Por Agência O Globo - 14/08/2025
Juíza da infância defende votação de projeto sobre adultização: 'Não há o que se falar em censura'
Crianças em sala de aula. (Foto: Agência Brasil)

A juíza da Vara da Infância e Adolescência do Rio, Vanessa Cavalieri, defendeu nesta quarta-feira a aprovação do projeto de lei (PL) sobre adultização que tem a tramitação mais avançada na Câmara. Ela afirmou que o texto não se aplica a adultos e, por isso, não cabe discussão sobre censura.

— Esse PL não se aplica para adultos. Por isso, a discussão sobre liberdade de expressão e censura não cabe. O texto só trata do ambiente digital para crianças e adolescentes e precisa estar acima de qualquer divisão partidária e política de polarização — afirmou a magistrada. — Esse interesse, de não ter crianças vítimas de violência sexual, cooptadas por criminosos ou exploradas por adultos, é de toda a sociedade. É da direita, da esquerda e do centro.

Cavalieri é uma das principais vozes atuantes na proteção de crianças e adolescentes em ambiente digital no país. Ela esteve na comitiva, junto com parlamentares e organismos da sociedade civil, que conversaram com o presidente da Câmara, Hugo Motta, na tarde desta quarta-feira para que ele agilizasse a votação do projeto. O grupo saiu da reunião com a promessa dele de que o texto iria ao plenário na próxima semana.

— O projeto é bom porque vai criar uma série de ferramentas e mecanismos para responsabilizar as plataformas em tornarem o ambiente digital mais seguro para crianças e adolescentes.

O texto já foi aprovado no Senado e tem sido debatido desde o ano passado em mais de 50 reuniões técnicas. O projeto prevê, por exemplo, que contas de jovens de até 16 anos precisam estar vinculadas a dos pais e que mecanismos de verificação de idade devem ser aplicados diretamente na loja de aplicativos e no sistema operacional, entre outras medidas.

— Muitas pessoas falam que a obrigação de cuidar é dos pais. Mas nem todas as famílias são bem intencionadas, protegem seus filhos ou têm conhecimento de como fazer isso. A gente tem uma população vulnerável no Brasil, sem escolarização formal, muito alta. Elas não sabem instalar aplicativos de controle parental — conta a juíza.

De acordo com Cavalieri, as famílias têm obrigação de compreender e cuidar, mas que isso não exonera a responsabilidade das empresas que lucram com os serviços digitais.

— Vejo isso na sala de audiência muitas vezes. Mando (a família) fazer o monitoramento do celular do adolescente, explico que têm que instalar um aplicativo e as mães não sabem como fazer. Às vezes eu sento com elas para mostrar porque elas não conseguem fazer sozinhas. Esse analfabetismo digital também é um impedimento — afirmou.

Risco de comissão

Na terça-feira, Motta anunciou que criaria uma comissão para tratar de uma enxurrada de projetos sobre adultização que chegou após o influenciador digital Felipe Bressanim Pereira, de 27 anos, mais conhecido como Felca, publicar um vídeo sobre o tema. No material, ele apresenta exemplos de crianças e adolescentes explorados, inclusive sexualmente por pais. O anúncio, no entanto, foi tratado como um banho de água fria por defensores do projeto que foi construído por Alessandro Vieira (MDB - SE) no Senado e está sob relatoria de Jadyel na Câmara.

— O projeto entrar na comissão seria péssimo. Na prática, estava sendo enterrado. Não sairia nunca — diz Cavalieri.

O relatório de Jadyel, divulgado nesta terça-feira, apresenta restrições maiores do que as que foram aprovadas no Senado. Entre as mudanças, estão previstos maior rigor com a verificação de idade e que adolescentes de até 16 anos precisam ter suas contas vinculadas a de responsáveis.

Contas até 16 anos precisam estar vinculadas a dos pais. Na versão anterior, a idade prevista era de 12 anos.

Mecanismos de verificação de idade devem ser aplicados diretamente na loja de aplicativos e no sistema operacional para que esse processo possa ser efetivado por todos os aplicativos baixados. Ainda define que o governo federal poderá atuar como promotor de soluções técnicas para verificação da idade.

Entre os conteúdos que fornecedores de produtos ou serviços de tecnologia deverão tomar medidas para que crianças não sejam expostas, foram incluídos material pornográfico e promoção do autodiagnóstico à saúde física ou mental. O texto original já previa outros itens, que foram mantidos, como exploração sexual e incentivo a vicio e transtornos mentais.

Os fornecedores de produtos ou serviços de tecnologia também deverão adotar padrões de desenho que evitem o uso compulsivo por crianças e adolescentes.

O texto original do Senado define que as redes precisam retirar conteúdos que violam direitos de crianças e adolescentes "assim que forem comunicados do caráter ofensivo da publicação, independentemente de ordem judicial". O relatório da Câmara prevê regras para que quem tenha publicado o conteúdo possa contestar a decisão.

O texto do Senado ainda proibia a venda de caixas de recompensas (loot boxes) a crianças e adolescentes. Essa é uma funcionalidade de alguns jogos on-line na qual o usuário compra esse recurso para receber um item consumível ou vantagem aleatório, sem que o jogador tenha conhecimento prévio do seu conteúdo.

No novo relatório, Jadyel não proíbe, mas cria regras para as caixas aleatórias. O jogador não poderá receber uma caixa vazia, as probabilidades de obtenção dos itens devem ser informadas de forma clara e é vedada a prática de conceder vantagens competitivas significativas ou desproporcionais mediante pagamento, em prejuízo da isonomia entre jogadores pagantes e não pagantes.

No último domingo, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou o tema é urgente e que há uma série de projetos importantes sobre o assunto na Câmara. "Nesta semana, vamos pautar e enfrentar essa discussão", afirmou.

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