'É um problema em escala mundial', diz infectologista sobre a dengue
A doença que se espalhou por todo o Brasil, já está presente em países da Europa e nos EUA; especialistas alertam para a necessidade de vacinas e tratamentos para controlá-la

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que 3,6 bilhões de pessoas estão sob risco de , em 125 países. Em 100 deles, a doença já é endêmica.
— A mudança climática e o aquecimento global têm uma íntima relação com o aumento da infestação de Aedes no mundo como um todo, aumentando o risco de dengue não só onde já éramos acostumados, mas em países que era impensável achar que teria dengue, como Estados Unidos — diz a infectologista Raquel Stucchi, professora associada da disciplina de infectologia da Unicamp, durante o 24º Congresso Brasileiro de Infectologia, realizado em Florianópolis.
Embora seja preocupante, essa disseminação global da dengue pode trazer alguns impactos positivos, como o desenvolvimento de novas vacinas que venham a cobrir as lacunas deixadas pelas vacinas atuais e até mesmo o surgimento de um antiviral para a doença, que ainda não existe.
Panorama no Brasil
No Brasil, os surtos de dengue vem piorando exponencialmente nos últimos 30 anos. Em 1995, 1753 municípios estavam infestados com a doença. Em 2014, esse número mais do que duplicou, atingindo 4532 municípios. E isso aumentou ainda mais uma década depois, em 2024, com quase todos os municípios do país atingidos: 5385, de um total de 5569.
Segundo Stucchi, esse é um problema que “infelizmente se manterá”. Outra questão preocupante é a circulação do sorotipo 4 da dengue em alguns estados brasileiros e a possibilidade que esse subtipo do vírus se espalhe pelo país.
— Possivelmente, teremos uma expansão desse sorotipo 4, que há muito tempo não circulava, para os próximos anos, o que nos traz uma grande preocupação em termos de prevenção — alerta a médica.
Existem quatro sorotipos de dengue - DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. Cada um deles só confere imunidade contra si mesmo, o que significa que uma pessoa pode ter dengue quatro vezes. Além disso, uma segunda infecção por dengue é sempre mais perigosa que a primeira.
No Brasil, nos últimos anos, se revezaram os tipos 1 e 2. Mais recentemente, o país enfrentou o reaparecimento da dengue 3. E, agora, dengue 4. Isso é uma preocupação, pois a maioria da população não possui imunidade a ele, aumentando o risco de uma epidemia.
Prevenção
Atualmente, existe apenas uma vacina disponível no Brasil contra a doença, a Qdenga, da Sanofi. Ela está disponível no SUS para adolescentes de 10 a 14 anos e na rede privada para pessoas entre 4 e 59 anos. A faixa etária do SUS foi escolhida devido ao limite de disponibilidade da vacina por parte do fabricante e porque concentra o maior número de hospitalizações por dengue após os idosos.
Pessoas a partir de 60 anos não foram contemplados pois o imunizante não está aprovado para essa faixa etária devido a ausência de dados sobre segurança e eficácia. A ausência de dados de segurança da vacina em idosos e pessoas com comorbidades é uma das dificuldades apontadas por especialistas para a vacina atual, assim como o fato de serem necessárias duas doses – com intervalo de três meses entre as aplicações —, pois isso reduz muito a cobertura vacinal.
— A posologia de dose única vem favorecendo muito toda e qualquer vacina que a gente possa ter aprovada para dengue — afirma Stucchi.
Neste cenário, a grande expectativa é pela aprovação da vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan, que é de dose única, e está sob análise da Anvisa. Diante da ausência de uma vacina disponível em larga escala, a forma mais eficaz de prevenir a dengue continua sendo a adoção de medidas de prevenção baseadas no controle do vetor, que é o mosquito Aedes aegypti, além do uso de repelentes.
Nesse quesito de controle do vetor, é preciso inovar e adotar estratégias diferentes.
— O controle tradicional não freou (o Aedes). Os dados de dengue mostram isso — diz biólogo Rodrigo Gurgel Gonçalves, professor da Universidade de Brasília (UnB), durante o 24º Congresso Brasileiro de Infectologia. — Precisamos avançar em estratégias inovadoras para controlar esses mosquitos e frear esse tipo de aumento, fortalecendo o sistema de vigilância dos vetores.
Algumas estratégias já recomendadas pelo Ministério da Saúde, segundo Gonçalves, são a estratificação de risco, o método Wolbachia (mosquitos infectados com a bactéria Wolbachia), o uso de estações disseminadoras de larvicidas, a borrifação residual intradomiciliar.
— No caso da estratificação de risco, tem vários projetos, como o Arboalvo, mostrando que, de fato, é bom estratificar as áreas para saber a receptividade para a ocorrência de dengue — diz o biólogo. — Existem várias evidências que a Wolbachia reduz a sobrevivência dos mosquitos em 50%, que a Wolbachia impede que os vírus de dengue, zika e chikungunya se desenvolvam no mosquito, reduzindo as taxas de infecção do mosquito, e além disso, é considerado um método autossustentável. Ou seja, a população de mosquitos vai sendo substituída ao longo do tempo.
Em relação à borrifação de paredes, ele explica que a tecnologia de borrifação das paredes com inseticida já é feita há muito tempo para o controle de outros vetores e agora tem sido usada contra o Aedes em imóveis como UPAs, escolas, UBSs, mostrando uma redução da densidade de mosquitos nessas áreas. Já na técnica de estação de disseminação de larvicida, o próprio mosquito carrega o larvicida que vai acabar com ele.
— É tipo o cavalo de Troia — explica Gonçalves. — O mosquito é atraído para uma estação, ele se contamina com um pó, que na verdade é um larvicida. Depois, ele carrega essas partículas do larvicida e leva para todo lugar. E quem melhor do que o mosquito para identificar o criadouro de larvas, que é dele? Então, ele pousa nesses criadouros, deposita o larvicida e faz o controle. E existem várias evidências científicas também que esse método funciona, aumentando em 90% a mortalidade dos mosquitos jovens.
*A repórter viajou a convite da Sociedade Brasileira de Infectologia