Infográfico mostra os estragos do metanol no corpo humano

Segundo o Ministério da Saúde, o Centro Nacional de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (CIEVS) recebeu a notificação de mais de 40 casos de intoxicação por metanol em São Paulo e Pernambuco. Além disso, foi confirmado um óbito, no estado paulista, e outros cinco são investigados no mesmo estado junto a outros dois em Pernambuco.
O metanol é um álcool com estrutura química parecida com a do etanol, que é aquele utilizado nas bebidas alcoólicas. No entanto, o metanol não é seguro para consumo humano, sendo destinado apenas a aplicações industriais e laboratoriais, explica Julio Cesar Macedo, patologista clínico e médico do DB Diagnósticos:
— É um importante insumo da indústria química usado para sintetizar produtos químicos, como formaldeído, ácido acético, solventes, pisos, além de tintas, removedores de verniz, plásticos e tecidos revestidos.Também é importante como combustível automotivo, usado na produção do biodiesel, por exemplo. Mas é altamente tóxico para o organismo.
Isso porque, enquanto o etanol é metabolizado no fígado em acetaldeído e depois em acetato, que são menos tóxicos e liberados para fora do corpo por meio da urina, o metanol é quebrado em formaldeído e, depois, em ácido fórmico. Esse último é o subproduto altamente nocivo para o organismo.
— O ácido fórmico faz uma cetoacidose (desequilíbrio grave do pH sanguíneo) nos tecidos, fazendo com que haja falta de oxigenação e perda das funções metabólicas de energia das células, levando o tecido a acabar morrendo — conta Leonardo André Silvani, biomédico especialista em Patologia e Toxicologia.
Além disso, o ácido fórmico se liga a uma enzima chamada citocromo c oxidase dentro das células, bloqueando a sua ação, que é de fornecer energia a elas. Dessa forma, leva à perda das funções metabólicas das células, que acabam morrendo.
De início, os primeiros tecidos atingidos são os do trato gastrointestinal e do sistema nervoso central. De acordo com a Secretaria de Saúde de São Paulo (SES-SP), os sintomas iniciais, de até 6 horas após a ingestão, são dor abdominal intensa, sonolência, falta de coordenação, tontura, náuseas, vômitos, dor de cabeça, confusão mental, taquicardia e pressão arterial baixa.
Essas queixas podem ser semelhantes a uma embriaguez normal. No entanto, o mal-estar continua e, logo em seguida, o tecido ocular vira um dos principais alvos do ácido fórmico, diz Diego Rissi, perito legista e toxicologista na Secretaria de Estado de Polícia Civil do Rio de Janeiro e doutorando em Saúde Pública na Fiocruz:
— O ácido fórmico também tem uma toxicidade seletiva pelo nervo óptico, o que causa a cegueira. Por isso, um dos sintomas característicos da intoxicação é a perda gradual da visão, começando a ficar borrada e brilhante, até a cegueira completa.
Entre 6 horas e 24 horas, os sintomas podem evoluir para visão turva ou embaçada, fotofobia, pupilas dilatadas, perda da visão das cores, convulsões, coma e acidose metabólica grave. O quadro pode se agravar e chegar a casos de cegueira irreversível, choque, pancreatite, insuficiência renal, necrose de gânglios da base com tremor, rigidez, lentidão dos movimentos e morte.
— O acúmulo de ácido fórmico no sangue provoca uma acidose metabólica severa, comprometendo órgãos vitais como rins, coração e pulmões, podendo evoluir para falência múltipla de órgãos e morte se não houver tratamento rápido — explica Raphael Garcia, professor no setor de Bioquímica, Farmacologia e Toxicologia da Universidade Federal de São paulo (Unifesp).
Estudos internacionais apontam que entre 30% e 40% dos sobreviventes de intoxicações graves por metanol desenvolvem algum grau de perda de visão. Apenas 10 ml já é suficiente para causar cegueira, e 30 ml é considerada a dose mínima fatal para um adulto.
Como o metanol entra na bebida?
Siddhartha Giese, analista químico do Conselho Federal da Química (CFQ), explica que o metanol pode aparecer em bebidas alcoólicas de duas formas:
— Quando há fraude e adulteração, com alguém tentando reduzir custos ao substituir o álcool próprio para consumo (o etanol) por metanol, ou acidentalmente por erros em processos de destilação, quando partes da bebida que contêm metanol não são corretamente separadas, o que acontece principalmente em destilados produzidos de forma clandestina.
Segundo o Médico Sem Fronteiras (MSF), que monitora o cenário de intoxicação por metanol pelo mundo, surtos como o atual em São Paulo são geralmente ligados à adição do composto deliberadamente em bebidas adulteradas para reduzir custos, já que ele é mais barato que o etanol. O cenário é especialmente alarmante considerando que 21% do consumo de álcool no mundo é proveniente de fontes ilegais, segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS).
De acordo com o monitoramento do MSF, milhares de pessoas são envenenadas por metanol todos os anos, e a taxa de mortalidade em um surto costuma ser de 20% a 40%. Desde 1998, o levantamento registrou 40,1 mil afetados e 14,3 mil óbitos ligados à intoxicação por metanol.
Tratamento
Quando o serviço de saúde é buscado de forma rápida, é possível reverter a intoxicação. O primeiro passo é frear a metabolização do metanol em ácido fórmico. Um dos antídotos para isso, curiosamente, é o próprio etanol, explica Rissi:
— Sim, é o curioso, mas o etanol (álcool etílico) pode ser administrado intravenoso como antídoto pois compete com a mesma enzima que metaboliza o metanol, porém com uma afinidade cerca de 50 vezes maior, reduzindo assim a formação dos metabólitos tóxicos pelo metanol. Mas é importante ressaltar que, em casos de suspeita de intoxicação por metanol, a pessoa deve procurar imediatamente atendimento médico e relatar a suspeita para a equipe.
O etanol farmacêutico tem o uso restrito aos 32 Centros de Informação e Assistência Toxicológica (CIATox) do Brasil, que oferecem suporte para diagnóstico, manejo de intoxicações, toxicovigilância e gestão de risco químico pelo SUS. Em São Paulo, há 9 centros disponíveis. Outro antídoto muito usado para intoxicação por metanol é o fomepizol, mas ele não está disponível no país, diz Garcia:
— Ele bloqueia diretamente a ação dessa enzima que quebra o metanol, também evitando a formação de formaldeído e ácido fórmico, os verdadeiros responsáveis pelos danos à visão e ao sistema nervoso. Mas, no Brasil, o acesso ao fomepizol ainda é limitado. Embora seja o tratamento de escolha em muitos países, ele não está amplamente disponível por aqui.
Isso porque o fomepizol não tem registro no Brasil. Porém, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, disse que estuda criar uma reserva estratégica em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) para garantir o acesso ao medicamento.
Além dos antídotos, há outras medidas que fazem parte do tratamento, a depender da gravidade do quadro e do tempo transcorrido desde a ingestão do metanol. Garcia explica, por exemplo, que, quando o ácido fórmico já está muito presente no corpo, é indicado fazer a hemodiálise, filtragem do sangue fora do corpo, por uma máquina, capaz de remover tanto o metanol quanto seus metabólitos.
— Também podem ser necessárias intervenções médicas para suporte da vida, como ventilação forçada, intubação e reanimação cardiopulmonar — complementa Rissi.
Silvani acrescenta que pode ser administrado bicarbonato de sódio ao paciente para conter a acidose devido ao acúmulo de ácido fórmico no corpo:
— Lembrando que todo esse tratamento deve ocorrer em ambientes de média a alta complexidade hospitalar.