Dor após malhar nem sempre é sinal de bom treino; veja o que é comum ou não
Se você voltou recentemente à sua rotina de exercícios e se esforçou ao máximo, seu corpo está cobrando seu preço quando você acorda: você tem dificuldade para se alongar, subir escadas ou até mesmo rir sem sentir uma dor aguda nos músculos. Enquanto uma parte de você se sente satisfeita – "Devo ter feito algo certo!" – outra parte começa a se preocupar: essa dor é normal?
A dor incômoda que surge um ou dois dias após o treino, que pode variar de um leve formigamento a uma rigidez intensa, é a linguagem codificada do seu corpo. Essa sensação pode, sem dúvida, ser um simples sinal de adaptação e progresso ou, ao contrário, o primeiro aviso de que algo não está certo.
A dificuldade está em saber distingui-los (veja tabela abaixo), pois nem todo desconforto significa progresso, nem toda dor intensa implica lesão. Portanto, aprender a realmente ouvir o seu corpo é a chave para evitar lesões, frustrações e pausas desnecessárias no seu caminho para o bem-estar.
O que realmente são dores musculares?
Se você sentir seus músculos rígidos, sensíveis ou com uma dor aguda que aparece um ou dois dias depois de um treino, é provável que você esteja sofrendo de DOMS, também conhecida como makurki ou dor muscular de início tardio ("delayed onset muscle soreness"). Segundo Vladimir Medina, professor de medicina humana da Universidade Científica do Sul, ao jornal El Comercio, esse fenômeno é definido como mialgia pós-esforço tardia, que geralmente se manifesta entre 18 e 48 horas após um exercício físico incomum e de alta intensidade.
Basicamente, ela se origina de microlesões nas miofibrilas — as fibras que compõem o músculo — e danos ao sarcômero, a unidade básica da contração muscular. Essas pequenas lesões desencadeiam um processo inflamatório e a liberação de mediadores químicos que sensibilizam as terminações nervosas, gerando o desconforto característico.
“A dor ocorre principalmente quando realizamos movimentos excêntricos, ou seja, quando o músculo se alonga sob tensão [como ao baixar um peso ou descer uma ladeira]. Esse tipo de esforço produz microlesões que causam inflamação e liberação de substâncias como as prostaglandinas, que estimulam as terminações nervosas e causam dor”, acrescentou Pedro Tacuchi, especialista em Medicina Física e Reabilitação dos Centros Médicos MAPFRE.
No entanto, ao contrário da crença popular, como alertou Moisés Palti, cirurgião ortopédico da Clínica Internacional, em Lima, sentir músculos doloridos nem sempre é sinônimo de um bom treino. "É um erro pensar que quanto mais dói, melhor você treinou." É importante saber que, embora a dor possa indicar que o corpo foi submetido a um estímulo novo ou mais intenso, também pode ser um sinal de esforço excessivo ou overtraining.
"Um bom treino é medido pela melhora progressiva, não pelo grau de dor subsequente. Na verdade, você pode treinar com eficácia sem nunca sentir DOMS."
Como distinguir dor muscular de uma lesão?
A diferença pode parecer sutil à primeira vista, mas há sinais claros que ajudam a diferenciá-las. Como mencionou Dominic King, especialista em medicina esportiva da Cleveland Clinic, a DMIT é caracterizada por uma dor difusa, leve a moderada, que geralmente afeta grandes grupos musculares bilateralmente e surge horas após o exercício. Ela também melhora com o movimento e não é acompanhada de inflamação visível ou perda significativa de força — apenas uma sensação de rigidez ou desconforto nos músculos mais trabalhados.
Uma lesão muscular, por outro lado, tem um padrão completamente diferente, pois a dor é localizada em um ponto específico do músculo ou articulação e geralmente aparece imediatamente ou logo após o esforço físico. Muitas vezes, pode ser acompanhada de inchaço, hematomas e dificuldade para movimentar ou apoiar o peso no músculo afetado. Nesses casos, a força costuma diminuir e o desconforto não melhora com o movimento, mas pode piorar.
"Por exemplo, uma ruptura no tendão da coxa pode impedir uma pessoa de andar. Na DMIT, a dor é leve, não impede os movimentos e é percebida como um desconforto generalizado na área tratada", explicou Andrea Málaga, especialista em medicina física e reabilitação da Clínica Ricardo Palma.
Portanto, como enfatizou Tacuchi, é essencial estar atento aos chamados "sinais de alerta", que indicam uma possível lesão e exigem a interrupção imediata do treino. Entre eles, estão:
Dor repentina e lancinante durante o exercício,
Hematomas visíveis ou inchaço excessivo,
Incapacidade de mover ou sustentar o músculo afetado,
Formigamento, perda de força ou quaisquer sintomas neurológicos,
Dor no peito ou dificuldade para respirar.
Caso a dor persista por mais de 72 horas, seja acompanhada de perda de força ou limitação da mobilidade, é importante consultar um especialista para uma avaliação médica e, se necessário, realizar exames de imagem como ultrassom ou ressonância magnética.
"É importante saber distingui-las, pois muitas vezes as pessoas ignoram a dor aguda pensando que é passageira, aplicam calor quando não deveriam, se automedicam ou retomam os treinos muito cedo, o que pode agravar os danos e atrasar a recuperação", enfatizou o especialista da Universidade Científica do Sul.
Ignorar continuamente os sinais de uma lesão incipiente e confundi-los com dores musculares pode levar a lesões crônicas (tendinopatias, osteoartrite), desequilíbrios musculares, padrões compensatórios, diminuição do desempenho e até mesmo abandono do esporte.
Atletas iniciantes, pessoas que retornam aos exercícios após inatividade prolongada, atletas de alta intensidade que estão sobrecarregados, idosos com sarcopenia ou fragilidade, pacientes com distúrbios posturais ou desequilíbrios musculares e atletas na pré-temporada que aumentam abruptamente sua carga devem tomar cuidado especial, porque são mais propensos a dores musculares ou, pior, lesões.
Como preveni-los?
Evitar dores musculares não é uma questão de sorte, mas sim de preparar o corpo de forma inteligente antes, durante e depois do exercício. Málaga e Medina concordam que a prevenção depende de uma combinação de fatores-chave:
Aquecimento antes do treino: Faça um aquecimento suave de 5 minutos que combine mobilização articular e ativação muscular, como corrida ou caminhada. Esta etapa aumenta a viscosidade do músculo e do fluido sinovial, melhora a complacência do tecido conjuntivo e promove a oxigenação e o recrutamento neuromuscular. Tudo isso reduz a rigidez muscular inicial e o risco de microtraumas.
Aumente a carga gradualmente: se você estiver retornando aos exercícios ou iniciando uma nova rotina, aumente a intensidade ou o volume em 10 a 15% por semana. Passar da inatividade para esforços intensos pode causar degradação das fibras e inflamação grave.
Alongamento após o treino: alongamentos estáticos suaves, mantidos por cerca de 30 segundos, ajudam a restaurar o comprimento normal dos músculos e a reduzir a sensação de rigidez.
Hidrate-se adequadamente: beba bastante água antes, durante e depois do exercício. Após o treino, procure repor 150% dos líquidos perdidos, idealmente com eletrólitos como sódio, potássio e magnésio para manter a função muscular e neuromuscular.
Cuidado com a dieta: antes do treino, combine carboidratos e proteínas para melhorar a disponibilidade energética. Depois, consuma alimentos ricos em proteínas (0,3–0,4 g/kg) e carboidratos complexos dentro de 30–60 minutos para promover a reparação muscular e a recuperação do glicogênio.
Descanse o suficiente: durma entre 7 e 9 horas por dia para permitir que seu corpo libere o hormônio do crescimento e repare os tecidos.
O que fazer quando surge dor muscular?
Quando a dor muscular aparece, o mais importante é não entrar em pânico e agir adequadamente para aliviar o desconforto sem interferir na recuperação natural do músculo.
Segundo Moisés Palti, durante os primeiros dias, é melhor manter movimentos leves, como caminhadas leves ou um pouco de ciclismo, pois isso estimula a circulação e ajuda a eliminar a rigidez. Também é recomendável aplicar gelo — sempre enrolado em uma toalha — em intervalos de 15 a 20 minutos para reduzir a inflamação e usar um rolo de espuma para melhorar o fluxo sanguíneo e aliviar a tensão muscular.
Estudo brasileiro:
Leia também:
Assim que a dor diminuir, você deve retomar o treino gradualmente, pois tentar retornar à mesma intensidade pode lesionar o músculo ainda sensível. Ouvir seu corpo é fundamental: se a dor aumentar ou se tornar aguda, é melhor parar. Além disso, evite massagens vigorosas ou aplicações imediatas de calor, pois podem agravar a condição caso você tenha uma lesão muscular ou tendinosa.
“Dores musculares não são desculpa para parar, mas sim para ajustar a intensidade e o volume. Se a dor for tolerável e não afetar sua biomecânica, você pode praticar exercícios de baixa intensidade. Se ela aumentar ou impedir a técnica adequada, você precisa descansar ou modificar seu treino. E se a dor se tornar incapacitante, você deve consultar um especialista imediatamente”, enfatizou Vladimir Medina.
Como é o tratamento e a recuperação em caso de lesão?
O tratamento de uma lesão muscular é dividido em duas grandes fases, cada uma com objetivos e estratégias específicas:
Fase aguda (primeiras 72 horas)
O objetivo é controlar a inflamação e aliviar a dor. Especialistas recomendam seguir o protocolo RICE:
Repouso: evite movimentos que agravem a lesão,
Gelo (do inglês 'Ice'): aplique frio local para reduzir a inflamação,
Compressão: use bandagens elásticas para controlar o inchaço,
Elevação: mantenha a área afetada acima do nível do coração.
Além disso, como Medina indicou, analgésicos ou anti-inflamatórios (AINEs) podem ser usados sob supervisão médica.
Fase subaguda (a partir de 72 horas)
Nesta fase, o objetivo é restaurar a função muscular e prevenir novas lesões. As principais estratégias são:
Mobilização precoce: inicie movimentos musculares suaves e controlados,
Exercícios de fortalecimento: inclua exercícios isométricos (tensão sem movimento) e exercícios isotônicos (com movimento),
Exercícios de propriocepção: melhoram o equilíbrio, a coordenação e o controle motor, reduzindo o risco de recaída,
Terapia manual: massagens ou técnicas de fisioterapia para promover a mobilidade,
Eletroterapia (TENS, ultrassom) e termoterapia (calor superficial): aliviam a dor, reduzem a rigidez e aceleram o reparo dos tecidos.
Papel da fisioterapia e reabilitação
A reabilitação é fundamental para uma recuperação completa e segura. Ela envolve diversas etapas que garantem uma recuperação completa:
Diagnóstico e avaliação: determine a extensão e a gravidade da lesão, bem como os fatores que a causaram,
Plano de tratamento personalizado: um programa é elaborado sob medida para as necessidades do paciente,
Restauração funcional: busca recuperar força, flexibilidade, resistência, coordenação e propriocepção,
Reabilitação esportiva: orienta o retorno progressivo à atividade física, garantindo a preparação física e mental,
Educação de alta: ensina ao paciente técnicas de proteção, ergonomia e modificações de rotina para evitar lesões futuras.
Lembre-se sempre disto: treinar bem não é sinônimo de sofrimento, mas sim de melhorar consistentemente e respeitar seus limites. Portanto, como apontou Moisés Palti, se algo não parece certo, a decisão mais inteligente é parar. É muito melhor perder um dia de treino do que ficar semanas parado devido a uma lesão.