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PMs presos em esquema criminoso cobravam de colegas a presença em comércio que pagava a “merenda”, sinônimo de propina
Grupo foi desbaratado pelo Ministério Público do Rio (MPRJ), que denunciou 11 agentes

Policiais Militares , na Baixada Fluminense, mediante pagamento mensal, se referiam ao dinheiro ilícito como "merenda" ou "merendinha". Os "clientes", chamados pelo PMs de "padrinhos", eram coagidos a aceitar o serviço de segurança privada e pagar por ele. E, uma vez que passavam a realizar os pagamentos, os agentes faziam uma espécie de policiamento especial na área do estabelecimento. Em conversas interceptadas pelo Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp) do Ministério Público do Rio (MPRJ), um policial cobra presença mais efetiva dos colegas em uma loja de materiais de construção.
'Não esqueçam Juliana':
Cúpula do Brics:
"Poxa, galera... eu cheguei aqui na loja agora, né. Viatura passou hoje, nem saíram. Manobraram aqui, pá, e saíram. Não estou cobrando, o Silva Santos. Igual eu te falei. A gente tem um acordo (...). Vamos esquecer patente. De polícia para polícia. Briguei para ter uma merendinha aí para vocês, irmão... não quero, entendeu, fiscalizar, não quero nada. É só passar irmão, fala com a galera, toma uma água, vai lá para o gerente ver a cara de vocês, pá. Entendeu, irmão? Se não, vai ficar essa cobrança aí. Po, os caras quase não vem e tal. ? A turma do dia, irmão. Tá de rolezinho, tá sem ocorrência, para dez minutinhos aqui, toma uma água, aperta a mão do cara, sai, marca um dez ali no pátio, troca uma ideia (...). É uma fofoca do caralho, aí começa aqui... po, os caras não estão cumprindo e tal... aí tu vê isso aí para mim, irmão, por favor. Valeu? Um abraço aí, Silva Santos".
O esquema foi desarticulado pelo MPRJ, que denunciou 11 policiais, alvos de mandados de busca e apreensão. Até o momento, dez foram presos.
— O que se constatou foi a institucionalização de uma lógica perversa, em que agentes do Estado, pagos com recursos públicos para proteger a coletividade, passaram a vender segurança como um privilégio particular. Para além das práticas criminosas imputadas ao grupo denunciado, esse comportamento compromete profundamente as estratégias de policiamento e a correta alocação de recursos humanos e materiais da corporação. Ao atender interesses privados, os policiais burlavam o posicionamento oficial de viaturas e equipes, desorganizando o planejamento operacional e colocando em risco a eficácia da segurança pública — destaca o promotor de Justiça Fabio Corrêa, coordenador do Gaesp.
A investigação do MPRJ
De acordo com a investigação, os policiais foram denunciados por prestar serviço privado de segurança armada durante o expediente, usando farda e viaturas, a comerciantes, que eram coagidos a aceitar a oferta e fazer pagamentos mensais, que eram chamados pelos PMs de "merenda". De acordo com o MPRJ, entre os "clientes" do esquema, apelidados pelos policiais de "padrinhos", estavam restaurantes, lanchonetes, mercados, lojas, postos de combustíveis, depósitos, farmácias, clínicas, universidades, funerárias, serviços de mototáxi, transporte alternativo, feiras livres, festas populares e até mesmo um posto do Detran. Os crimes ocorreram entre 2020 e 2024 período em que os policiais estavam lotados no 39º BPM (Belford Roxo).
Na terça-feira, quando a operação foi deflagrada, nove dos 11 mandados de prisão foram cumpridos. Foram detidos Jaime Vicente, Rodrigo Viana, Ivaney Gama, Rodrigo de Oliveira, Pablo Regis, Ubiratan Ferreira, André Monsores, Rafael Santos e Rafael Carvalho. Na quarta-feira (02), o soldado Marcelo Ferreira Chagas da Silva se entregou na 8ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar (DPJM), órgão subordinado à Corregedoria-Geral da Polícia Militar (CGPM), e foi encaminhado à 1ª DPJM. Já Felipe da Silva continua foragido.
Doze aparelhos celulares, munições e pequena quantidade de entorpecentes foram apreendidos na operação do MPRJ na terça-feira. Os PMs responderão na Justiça pelo crime de organização criminosa, corrupção passiva e peculato, quando um servidor público se utiliza de seu cargo para se apropriar de bens públicos.
Para conhecer os agentes denunciados pelo MPRJ e entender a participação de cada um no esquema criminoso, .
Quatro atividades essenciais
De com a investigação, cada integrante poderia exercer quaisquer das atividades do grupo criminoso, o que incluía pelo menos quatro atividades:
A obtenção de novos "padrinhos"
O recolhimento dos pagamentos
O atendimento aos chamados dos "padrinhos", realizando o patrulhamento específico referente a eles
E a divisão dos lucros obtidos com os pagamentos feitos pelos "padrinhos".
O MPRJ aponta ainda que a atuação criminosa dos denunciados visando a obter vantagens econômicas ilícitas se voltava ainda ao achaque de traficantes de drogas.
A Polícia Militar informa que vem atuando contra todos os tipos de delitos cometidos por policiais militares e não compactua com possíveis desvios de conduta ou cometimento de crimes praticados por seus agentes, punindo com rigor os envolvidos quando constatados os fatos. A corporação ressalta que, em 2023, lançou o Plano de Integridade da Secretaria de Estado de Polícia Militar e vem capacitando toda a tropa, com o objetivo de combater vícios, fraudes e atos de corrupção.