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Colapso na saúde em Gaza: Médicos palestinos precisam colocar vários recém-nascidos em uma única incubadora

Sistema de saúde em frangalhos é diretamente afetado por desabastecimento de ajuda humanitária, incluindo combustível para fornecimento de energia, alimentos e medicamentos

Por Agência O Globo - 09/07/2025
Colapso na saúde em Gaza: Médicos palestinos precisam colocar vários recém-nascidos em uma única incubadora
Colapso na saúde em Gaza: Médicos palestinos precisam colocar vários recém-nascidos em uma única incubadora (Foto: O Globo)

Médicos palestinos foram forçados a amontoar bebês recém-nascidos em uma única incubadora na unidade neonatal do Hospital al-Helou, localizado na Cidade de Gaza, nesta semana, em um momento em que autoridades e organizações internacionais emitem alertas de que as reservas de combustível que mantém o fornecimento de energia elétrica às unidades de saúde atingiram um nível crítico. O risco de apagão em hospitais é apenas a crise mais imediata dentro de um sistema de saúde já em colapso, que desde o início da guerra entre e sofre com mortes e prisões de médicos, destruição de infraestrutura civil e cortes no abastecimento de insumos básicos e medicamentos.

Desconfiança sobre expulsões:

Cotidiano da guerra:

A imagem chocante dos bebês amontoados começou a ser compartilhada por profissionais de saúde palestinos nas redes sociais na terça-feira, ao lado de alertas sobre a gravidade da situação enfrentada no ambiente hospitalar. A foto foi apontada como retrato da "realidade desoladora" nos hospitais do enclave pelo médico Fadel Naim, chefe do Departamento de Ortopedia do Hospital al-Ahli, também localizado na Cidade de Gaza.

"Essa trágica superlotação não é apenas uma questão de falta de equipamentos — é uma consequência direta da guerra implacável em Gaza e do bloqueio sufocante que paralisou todo o sistema de saúde", escreveu o médico. "Há meses, os hospitais lutam para garantir diesel suficiente apenas para manter seus geradores funcionando, racionando a preciosa eletricidade hora a hora. Médicos e enfermeiros, já sobrecarregados pelo fluxo constante de feridos e pelas crescentes necessidades médicas, enfrentam escolhas impossíveis: quem recebe o calor de uma incubadora, quem precisa compartilhá-lo com outras três vidas frágeis e quem fica esperando. O cerco transformou o atendimento de rotina a bebês prematuros em uma luta de vida ou morte".

Os alertas não ficaram restritos a organizações palestinas, o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha, na sigla em inglês) afirmou na terça-feira que a situação havia levado hospitais a racionar energia, retirado ambulâncias de circulação e levado os sistemas de dessalinização de água de Gaza à beira do colapso, alertando para o risco de morte.

Luta por água:

— As mortes que isso provavelmente causará poderão aumentar drasticamente em breve, a menos que as autoridades israelenses permitam a entrada de novo combustível — disse Stéphane Dujarric, porta-voz do escritório. — Precisamos de combustível urgentemente e em grandes quantidades.

Em uma outra mensagem na rede social, na madrugada de quarta-feira, Naim compartilhou um vídeo que mostrava profissionais trabalhando no escuro no Hospital al-Aqsa. Ele afirmou que o blecaute foi provocado pela destruição da infraestrutura energética por Israel, e que a situação colocava pacientes — incluindo bebês em incubadoras — em risco.

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Aprofundamento da crise

A entrada de ajuda humanitária no enclave enfrentou períodos de maior e menor restrição desde o atentado terrorista do Hamas,, mas se agravou exponencialmente com a quebra do acordo de cessar-fogo negociado em janeiro com ajuda dos EUA. Entre março e maio, o governo israelense impôs um bloqueio total aos carregamentos direcionados a Gaza, mesmo em se tratando de insumos básicos como alimentos, água, medicamentos e combustível.

Profissionais de saúde ouvidos pelo GLOBO durante o bloqueio descreveram um cenário preocupante em meio ao esgotamento das reservas. Em uma entrevista em 21 de maio, o médico brasileiro Paulo Reis, que coordenava o hospital de campanha da ONG Médicos Sem Fronteiras em Deir al-Balah, disse que a falta de alimentação já afetava a recuperação dos pacientes.

— Já estamos oferecendo bem menos alimento, tanto caloria quanto proteína, do que uma pessoa normal deveria ter. Se você pega uma pessoa que está se recuperando de um trauma, especialmente as pessoas com queimadura grave, elas precisam de muito mais alimento do que alguém saudável. E não estamos conseguindo nem para o normal — disse Reis à época. — Chegamos a um ponto em que estamos suplementando com alimento para crianças desnutridas, que é o que tem no estoque, e comida em lata.

O governo israelense encerrou o bloqueio no fim de maio, em meio a uma campanha de pressão internacional, inaugurando um novo formato de entrega de ajuda humanitária centralizado em uma organização privada americana, a Fundação Humanitária de Gaza (GHF, na sigla em inglês). O modelo foi amplamente criticado por organizações internacionais, que afirmaram que a proximidade com os militares israelenses feria princípios como a imparcialidade no conflito.

Após o início do funcionamento da ONG, as distribuições de alimento e insumos direto ao público se notabilizaram por cenas caóticas, que frequentemente incluíram disparos de soldados israelenses. Na semana passada, a ONU divulgou um levantamento apontando que .

Baixas médicas

Ainda durante o bloqueio total, em maio, a coordenadora de saúde do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) em Israel e nos territórios ocupados, Eve Charbonneau, afirmou ao GLOBO que a situação em Gaza era a "missão mais desafiadora de sua vida". Em uma comunicação por e-mail, ela afirmou que a situação era ainda mais desgastante para os profissionais palestinos.

"Há desafios pesados a mais [para os profissionais palestinos] por serem eles mesmos deslocados pelo conflito, terem familiares mortos ou feridos, e o custo emocional de viver o dia a dia em conflito", disse a profissional canadense.

O custo do conflito para muitos tem sido maior. Há uma semana, o diretor do Hospital Indonésio, Marwan al-Sultan, foi morto em seu apartamento na Cidade de Gaza, junto com sua esposa e ao menos três de seus filhos. Em uma manifestação inicial, as Forças Armadas de Israel disseram que a informação de que civis tinham sido mortas em um ataque estavam sob revisão.

O número de médicos mortos no conflito é impreciso e alimenta divergências. O Ministério da Saúde de Gaza, órgão oficial do governo do Hamas, afirma que 1.580 profissionais de saúde foram mortos em ações israelenses desde o começo da guerra, um número superior ao registado pela organização civil palestina Healthcare Workers Watch, que fala em 587 mortes confirmadas e 420 relatos em verificação. Israel frequentemente questiona os números de mortos apresentados pelo lado palestino e classifica vítimas civis como "danos colaterais" em ataques contra alvos que considera legítimos.

Após a morte de al-Sultan, Aseel Aburass, diretor do Departamento de Territórios Palestinos Ocupados da organização israelense Médicos pelos Direitos Humanos fez uma declaração tentando dimensionar o impacto da perda dos profissionais.

— Medicamentos podem ser importados, médicos não. Ele foi morto e teremos que esperar 30 anos até que um especialista seja substituído — afirmou, em fala registrada pelo jornal israelense Haaretz. (com agências internacionais)

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