Não é só o café: como as tarifas de Trump vão pesar no bolso do americano?
Do café da manhã ao fast-food, consumidores vão sentir impacto nos preços e até no sabor de alguns itens do cardápio

Logo no café da manhã, os americanos devem notar que algo não está descendo tão bem como de costume. As tarifas comerciais impostas pelo presidente Donald Trump ao Brasil devem afetar o que vai à mesa e pesar no bolso dos consumidores, e o desconforto não se restringe ao café, como já esperado. No "breakfast" americano, o suco de laranja também deve ser afetado pela nova leva da taxação. A carne bovina é outro item que deve ficar mais caro, seja no churrasco ou no hambúrguer.
Tarifaço:
Reação:
Se a ameaça de Trump se concretizar, a partir de 1º de agosto, entra em vigor uma sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros, que inclui itens como café, carne e frutas. Os reflexos dessa taxação devem aparecer rápido nas prateleiras dos supermercados e nos cardápios das redes de fast-food.
Mais de 99% do café consumido nos EUA é importado de países da América do Sul, África e Ásia. Em 2024, os americanos compraram 1,6 milhão de toneladas de café, torrado e não torrado, segundo o Departamento de Agricultura dos EUA.
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O Brasil respondeu por 8,1 milhões de sacas de 60 quilos, ou cerca de 486 mil toneladas. O montante chega a 30% do volume total importado, quase um terço.
— Qualquer mudança repentina seria uma perda para todos os lados — afirma Guilherme Morya, analista de café do Rabobank, em São Paulo, ao The New York Times. Segundo ele, os exportadores brasileiros aguardam algum tipo de negociação para evitar o impacto total da tarifa. Caso contrário, diz, o mercado global será reconfigurado:
— Veremos uma reformulação no fluxo de café no mundo. Especialmente do Brasil para outras regiões.
Corrida contra o tempo nos portos
Enquanto a tarifa não entra em vigor, há uma verdadeira corrida logística nos portos. Segundo a Reuters, traders de commodities estão acelerando o envio de café brasileiro aos EUA, desviando rotas e até redirecionando navios no meio da viagem para garantir a entrada da carga antes do prazo final.
Algumas empresas estão também liberando estoques em países vizinhos, como Canadá e México, que originalmente abasteceriam seus mercados locais, para antecipar a chegada nos portos americanos.
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Os importadores nos EUA começaram a atualizar suas tabelas de preços no atacado, já incluindo o acréscimo de 50% nas remessas com chegada após 1º de agosto.
— Redirecionamos algumas cargas para desembarcar nos EUA mais cedo, algo que estava destinado a uma jornada mais longa — disse Jeff Bernstein, diretor da trader RGC Coffee, à Reuters. — Mas, para outras cargas, não conseguimos acelerar. Não há soluções alternativas disponíveis para o café que ainda não saiu do Brasil.
Inflação acelera em junho
Mesmo antes da tarifa de 50% entrar em vigor, os reflexos da política comercial de Trump já aparecem nos indicadores. Em junho, o índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) subiu 2,7% no acumulado em 12 meses. Foi a maior alta desde fevereiro, superando os 2,4% de maio. A inflação básica, que exclui itens voláteis como alimentos e energia, subiu 2,9% no mesmo período.
Ao longo do mês, os preços dos produtos mais expostos às tarifas já vigentes, como móveis, subiram 1%, frente a 0,3% em maio. Eletrodomésticos subiram 1,9%, ante 0,8%, e o vestuário subiu 0,4%, revertendo meses de queda.
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Economistas esperam que as pressões sobre os preços se intensifiquem nos próximos meses, especialmente se as novas tarifas que o presidente ameaçou impor à União Europeia e a vários outros países nos últimos dias forem impostas em 1º de agosto, conforme planejado.
Do lado brasileiro, o efeito é relevante, mas não devastador para o todo da economia. Um estudo do banco Daycoval mostra que, mesmo com uma tarifa de 50%, a queda estimada no volume exportado para os EUA seria de cerca de 15%. Isso porque muitos produtos enviados aos americanos têm baixa substituição no curto prazo.
— Os Estados Unidos não conseguem trocar de fornecedor de uma hora para outra — diz Antônio Ricciardi, economista do banco.
Até o sabor do café pode mudar
Segundo Ryan Cummings, chefe de gabinete do Instituto Stanford de Pesquisa em Política Econômica, o café é um dos itens com efeito de repasse mais rápido.
— Se o preço no atacado subir 50%, isso pode significar um aumento de 25 centavos por xícara em até três meses — afirmou.
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Os consumidores já estão pagando mais no supermercado. No final de maio, o preço médio de 450 gramas de café torrado e moído nos EUA era de US$ 7,93, acima dos US$ 5,99 no mesmo período do ano passado, de acordo com o Departamento de Estatísticas do Trabalho dos EUA.
E não só no preço: a qualidade do café também deve piorar. O Brasil é líder mundial na produção de arábica, grão de sabor mais suave e qualidade superior. Já o robusta, mais amargo e de qualidade inferior, é predominante na Ásia.
Mas a substituição não é trivial. O Vietnã, segundo maior produtor mundial, enfrenta queda na produção e não teria capacidade de “conter o fluxo”, diz David Gantz, economista do Instituto Baker da Universidade Rice.
Embora grandes redes como a Starbucks tenham contratos de longo prazo e estejam mais protegidas de choques imediatos, os impactos a médio prazo não ficam descartados.
Cardápio fit?
E, como o café depende do clima tropical para ser cultivado, produzir nos EUA não é tarefa simples. Nos EUA e em seus territórios, a produção fica limitada ao Havaí e Porto Rico.
Em 2024, o país produziu apenas 11,4 mil toneladas, quase todas no Havaí, com preços que podem ser duas a três vezes maiores que os grãos importados.
Suco de laranja também será impactado
Outro item afetado é o suco de laranja, presença quase obrigatória no café da manhã americano. Segundo dados do Departamento de Agricultura dos EUA, 90% do suco fresco e 55% do suco congelado importado pelos EUA vêm do Brasil. O país também exporta polpa concentrada, que depois é processada internamente.
A produção doméstica, sobretudo na Flórida, enfrenta dificuldades, agravadas por doenças cítricas e eventos climáticos extremos. “Haveria um enorme impacto sobre as pessoas que bebem suco de laranja, porque a Flórida não consegue compensar a falta”, afirma Gantz.
'É como negociar com o cano do revolver na cabeça',
O presidente da Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), Guilherme Coelho, disse, , que inicialmente os americanos achavam que o impacto seria no Brasil, mas agora estão entendendo que "vão se lascar também".
Na semana passada, após a notícia do tarifaço anunciado por Trump, a entidde expressou indignação com a medida e ressaltou o benefício das frutas produzidas no país, incluindo a laranja, aos americanos.
"A fruticultura brasileira quer continuar exportando seus produtos para os EUA e, certamente, os importadores americanos desejam contar com nossas frutas para complementar o abastecimento do varejo. Foi através desse modelo, que os consumidores norte-americanos passaram a ter acesso a frutas tropicais saborosas e seguras, que tem contribuído para a saúde e o bem-estar daquela sociedade", escreveu a entidade, em nota.
Hambúrguer mais caro
Os americanos também podem ter de pagar mais pelo hambúrguer do fast food e pelo churrasco do fim de semana. Isso porque a oferta doméstica passa por um período de queda após anos de seca que levaram os produtores a reduzirem o rebanho ao menor nível em mais de sete décadas. A expectativa é que a produção caia 2% este ano.
Em meio a tarifaço de Trump:
Não por acaso a carne brasileira virou peça-chave. Só nos primeiros cinco meses de 2025, os EUA dobraram suas compras do país, que passaram a representar 21% das importações totais no período, segundo dados oficiais citados pela Reuters. A carne magra brasileira é usada principalmente na mistura com a produção local para abastecer a cadeia de hambúrgueres.