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Tarifaço aumenta preocupação com contas externas do Brasil, mas real se valoriza. Entenda por quê

Por Agência O Globo - 15/08/2025
Tarifaço aumenta preocupação com contas externas do Brasil, mas real se valoriza. Entenda por quê
Tarifaço prejudica setores no Brasil. (Foto: O Globo)

A sobretaxa de 50% aplicada às exportações brasileiras por Donald Trump amplia o sinal de alerta com a situação das contas externas do país, mas ainda sem abalar o câmbio. Mesmo antes das tarifas entrarem em vigor, as fontes de financiamento do déficit do Brasil nas trocas com o restante do mundo vêm se mostrando insuficientes nos últimos meses.

A tendência é que a situação se agrave com o tarifaço dos Estados Unidos, o que pode deixar o país mais vulnerável a choques internacionais.

Desde maio, o fluxo acumulado de Investimento Direto no País (IDP) em 12 meses não cobre totalmente o rombo em transações correntes (saldo das trocas do Brasil com o restante do mundo). Em junho, último dado disponível, o IDP somou US$ 67 bilhões, contra um resultado deficitário de US$ 73,1 bilhões — essa diferença é a mais negativa desde novembro de 2015.

A relação entre o resultado em transações correntes e o Investimento Direto no País (IDP) é comumente utilizada para medir a “saúde” das contas externas. O IDP é considerado um fluxo de capital mais "saudável", porque é direcionado para aportes produtivos, com perspectiva de permanência maior no país, ao contrário dos investimentos no mercado financeiro, que são mais voláteis.

— A gordura já se inverteu. O nível de IDP não cobre mais totalmente o déficit em conta corrente — diz a sócia-fundadora da Buysidebrazil, Andrea Damico.

Recentemente, a economista piorou a sua projeção para o déficit em conta corrente, de US$ 68 bilhões para US$ 76,3 bilhões, mas avalia que o risco é de o rombo ser ainda maior com as tarifas. Para o IDP, a estimativa é de US$ 66,8 bilhões.

— A fonte de recursos de boa qualidade diminuiu. Na nossa visão, isso não é saudável para a economia. A coloca em uma situação de vulnerabilidade.

A XP Investimentos já incorporou um efeito negativo de US$ 2 bilhões em transações correntes devido ao tarifaço, um dos fatores que levaram a projeção para 2025 de déficit de US$ 65,7 bilhões para US$ 73,5 bilhões. A economista Luiza Pinese afirma que o impacto potencial total pode chegar a US$ 3,5 bilhões.

Mas a XP ainda vê espaço para avanço das negociações entre o Palácio do Planalto e a Casa Branca no segundo semestre e conta que as condições para os produtos brasileiros podem ficar ainda melhores. Para o IDP, cuja previsão atual é de US$ 70 bilhões, Pinese vê riscos de que a tensão entre Brasil e EUA contamine a entrada de recursos americanos no país. Os EUA têm a participação mais relevante no estoque, de 27% do total.

— Caso a tendência de pouca ou nenhuma folga nas contas externas continue adiante, que não é o nosso cenário base, é sim preocupante. Se o Brasil começar a depender muito de fluxos voláteis para se financiar pode deixar o país mais suscetível a oscilações de choques internacionais — disse Luiza.

Ela pondera, no entanto, que a deterioração tem de ser interpretada com cautela, porque o Brasil tem um colchão robusto de reservas internacionais e pouca dívida em moeda estrangeira:

— Isso amortece pelo menos no curto prazo os efeitos dessa deterioração.

Nesse contexto mais arriscado, era esperado um aumento do dólar ante o real. Acontece que a moeda americana tem caído aos menores patamares do último ano e a brasileira tem desempenho comparável a divisas de países fortes em 2025, figurando entre as cinco melhores no ranking mundial.

Para além da tendência global de enfraquecimento do dólar, o Brasil colhe os frutos no câmbio da postura dura do Banco Central contra a inflação, na avaliação de economistas. A taxa Selic em 15%, muito acima dos juros de outros países, atrai aplicações estrangeiras para o país.

— A deterioração das contas externas preocupa. Se não fosse isso, o câmbio poderia estar mais apreciado. Mas o que temos visto é que os vetores de depreciação, incluindo o fiscal também, têm sido sobrepostos pelo diferencial de juros, que tem se mostrado muito poderoso, pelo menos nesse curto prazo, pelo menos enquanto o mundo estiver cortando juros — explicou Damico, da Buysidebrazil.

A sobretaxa de 50% foi inicialmente anunciada em 9 de julho, oficializada no dia 30 do mesmo mês e está em vigor desde 6 de agosto. Na versão final, o tarifaço incide sobre cerca de 55% da pauta exportadora brasileira para os Estados Unidos, como os setores de café, carnes, têxteis, açúcar e pescados. Nada disso, porém, abalou a apreciação do real, que mantém resultados positivos contra o dólar na semana, no mês e no ano.

Em 2025, a queda do dólar ante o real é de 14%, nos cálculos do economista-chefe do Banco Pine, Cristiano Oliveira. Só não supera os resultados de Hungria, República Tcheca e Suécia entre as divisas globais. Nas 10 moedas com o melhor desempenho ante o dólar, oito são europeias - o peso mexicano é a outra exceção.

Na avaliação de Oliveira, o real se beneficia dos acertos do BC na condução dos juros básicos, o que, segundo ele, já vem se traduzindo em uma desaceleração da inflação, como vista no IPCA de julho (0,26%).

— Os números estão mostrando exatamente que as medidas de qualidade da inflação estão vindo abaixo do que os economistas esperam. Estamos vendo desde o início do ano a desaceleração da inflação. A percepção é de que o BC está fazendo um bom trabalho no Brasil. Isso contribui para o valor da nossa moeda. Mesmo com tarifaço de Trump, o real tem se mostrado uma moeda forte.

Nos cálculos do Bradesco, o tarifaço deve reduzir o total de exportações do Brasil em R$ 4 bilhões, considerando já um redirecionamento de parte das mercadorias para outros mercados. Ao mesmo tempo, o banco observa que as importações do Brasil seguem mais fortes do que o esperado e que a remessa de lucros e dividendos para o exterior deve ser mais intensa.

Dessa forma, o déficit em transações correntes deve chegar a US$ 69 bilhões em 2025, enquanto o Investimento Direto no País, principal fonte de financiamento, deve terminar o ano com fluxo de US$ 65 bilhões. Segundo o banco, essa "menor folga" nas contas externas e a guerra comercial reduzem o vetor positivo para a moeda brasileira, mas o efeito do enfraquecimento do dólar no mundo segue prevalecendo sobre o desempenho do real.

"Esse movimento deve ser reforçado pela ampliação do diferencial de juros entre o Brasil e os EUA nos próximos meses", destacou o Bradesco, em relatório, acrescentando que mantém a projeção de dólar a R$ 5,50. "Se os riscos ligados às tarifas contra o Brasil cederem, é possível que o dólar seja um vetor de força superior ao fluxo mais apertado do balanço de pagamentos, mantendo o real na direção de apreciação".

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